Nos últimos anos, o conceito de segurança do paciente evoluiu de uma preocupação restrita a círculos especializados para se tornar um dos pilares centrais da qualidade assistencial em instituições de saúde. Essa mudança reflete um reconhecimento crescente de que a ausência de danos decorrentes do cuidado é essencial para alcançar os resultados desejados na prática clínica.
No Brasil, a visibilidade da segurança do paciente tem aumentado significativamente. Os profissionais de saúde têm se engajado em processos contínuos de capacitação, e a identificação, notificação e discussão de erros são práticas que, embora ainda enfrentem desafios, tornaram-se mais frequentes. Essa evolução, no entanto, não ocorreu sem dificuldades. A cultura punitiva, ainda presente em muitos contextos, muitas vezes dificulta a plena implementação de uma cultura de segurança, que deve se basear em aprendizado e melhoria contínua.
Embora os avanços tecnológicos sejam reconhecidos por sua capacidade de melhorar a qualidade dos cuidados prestados, eles também introduzem novas complexidades. A modernização dos sistemas de saúde, intensificada pelo uso de tecnologias avançadas, pode aumentar a ocorrência de eventos adversos.
Esses eventos, definidos como situações que resultam ou têm o potencial de resultar em danos aos pacientes, demandam estratégias de prevenção que sejam bem delineadas e integradas ao cotidiano assistencial.
Para que a segurança do paciente seja efetivamente assegurada, é necessário um esforço coordenado que vá além de iniciativas isoladas. Esse esforço deve envolver todos os níveis da organização, desde a administração até os profissionais que atuam diretamente no cuidado dos pacientes.
Nesse cenário, a Cultura de Segurança do Paciente (CSP) surge como um elemento organizacional de grande relevância. A CSP representa o compromisso coletivo dos membros de uma instituição com a implementação de práticas seguras e com a redução sistemática dos incidentes que possam comprometer a integridade dos cuidados de saúde.
A gestão da segurança do paciente, portanto, requer a criação de uma cultura que favoreça a adoção de práticas seguras e a mitigação de eventos adversos. Essa cultura não se constrói apenas com políticas formais, mas com a incorporação de atitudes e comportamentos que valorizem a segurança em todos os aspectos do cuidado. As organizações internacionais e nacionais de acreditação hospitalar exigem a avaliação contínua da cultura de segurança, o que possibilita identificar áreas que necessitam de atenção e desenvolver estratégias de melhoria.
Em ambientes de alta complexidade, como unidades de terapia intensiva e pronto atendimento, onde o uso de tecnologias avançadas e o perfil grave dos pacientes são comuns, a predisposição para a ocorrência de eventos adversos é maior. A avaliação constante da cultura de segurança nessas unidades permite não apenas a identificação de riscos, mas também a criação de oportunidades para implementar melhorias contínuas.
Nesse mesmo sentido, a segurança do paciente tem se tornado um foco cada vez mais proeminente no contexto da saúde, especialmente à medida que a complexidade dos serviços prestados se intensifica, exigindo uma maior atenção dos profissionais envolvidos. No Brasil, o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) desempenha um papel significativo nessa área, conduzindo campanhas anuais que destacam a relevância da implementação de práticas seguras dentro das unidades de saúde.
Em 2024, o Cofen direcionou seus esforços para dois aspectos centrais: a comunicação precisa e eficiente entre os profissionais e a colaboração interdisciplinar, ambos fundamentais para assegurar a qualidade dos cuidados prestados e evitar riscos desnecessários aos pacientes. A campanha visa promover um ambiente assistencial em que a troca de informações seja clara e estruturada, e o trabalho conjunto entre as equipes seja coordenado de forma a maximizar a segurança e o bem-estar dos pacientes.
A interação comunicativa entre os profissionais de saúde constitui a base para a prestação de cuidados seguros e eficazes. Deficiências na comunicação, frequentemente subestimadas, podem acarretar consequências graves, como erros na administração de medicamentos ou a ausência de informações essenciais relativas ao histórico do paciente.
Com o intuito de minimizar esses riscos, o Cofen destaca a importância da adoção de ferramentas padronizadas que facilitam a troca de informações durante a passagem de plantões, as transições de cuidados e em situações emergenciais. Tais ferramentas são projetadas para padronizar o fluxo de comunicação, assegurando que todos os integrantes da equipe estejam cientes e devidamente informados sobre o plano de cuidado a ser seguido, o que é crucial para a coesão e a eficácia das intervenções clínicas.
Além da comunicação, a cooperação entre membros da equipe multiprofissional emerge como um componente central na promoção da segurança do paciente. A interação colaborativa entre profissionais de distintas áreas do cuidado não apenas amplia a qualidade da avaliação clínica, mas também viabiliza uma abordagem mais completa e individualizada para cada paciente.
Quando a equipe de saúde opera de forma integrada, compartilhando informações relevantes e discutindo o histórico clínico do paciente, o desenvolvimento do plano de cuidados torna-se mais eficiente, o que contribui significativamente para a obtenção de melhores resultados clínicos e para a redução da ocorrência de eventos adversos.
Os efeitos dessas práticas se estendem para além da simples mitigação de erros, influenciando diretamente a qualidade do ambiente de trabalho. Um ambiente organizacional onde a segurança psicológica e o respeito mútuo são valores centrais promove a segurança do paciente ao incentivar uma comunicação aberta e eficaz entre os profissionais.
A construção de um ambiente de confiança entre os membros da equipe, juntamente com a prática da empatia e a colaboração contínua, favorece a criação de protocolos de trabalho que são não apenas seguros, mas também padronizados, facilitando a execução de procedimentos de forma consistente e confiável. Além disso, a minimização de ruídos e a manutenção de um ambiente de trabalho bem organizado são fatores essenciais, pois eles reduzem o risco de distrações que poderiam comprometer a atenção dos profissionais, permitindo-lhes focar integralmente nas suas responsabilidades, o que, por sua vez, eleva a segurança e a qualidade dos cuidados prestados.
O Cofen também ressalta a relevância do treinamento contínuo como um componente chave para aprimorar a competência dos profissionais de saúde, especialmente nas áreas de comunicação e trabalho em equipe, que são vitais para estabelecer uma cultura de segurança no ambiente assistencial. A capacitação regular desses profissionais, com ênfase no uso de simulações e cenários práticos, tem se mostrado uma abordagem eficaz para desenvolver habilidades necessárias ao enfrentamento das complexidades do cotidiano clínico, permitindo uma resposta mais ágil e coordenada diante de situações adversas.
As iniciativas promovidas pelo Cofen em abril de 2024 refletem um compromisso contínuo com a segurança do paciente, em consonância com as diretrizes do Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP) do Ministério da Saúde. Essas ações visam não apenas elevar a consciência dos profissionais de saúde sobre a importância da adoção de práticas seguras, mas também fomentar uma cultura de segurança em todo o sistema de saúde.
Em um contexto onde a prevenção de eventos adversos se torna uma prioridade estratégica, é imperativo que todos os atores envolvidos no cuidado do paciente assumam um compromisso constante com a melhoria da qualidade dos serviços oferecidos, garantindo que os padrões de segurança sejam rigorosamente mantidos e aprimorados.
Além dos pontos abordados durante a reunião, um desenvolvimento ainda mais recente foi a 11ª Cúpula Mundial Anual sobre Segurança do Paciente, Ciência e Tecnologia, que enfatizou a importância de uma colaboração abrangente entre todos os envolvidos no setor de saúde, incluindo pacientes, profissionais de saúde e desenvolvedores de tecnologias médicas.
A Cúpula destacou de forma inequívoca que a segurança do paciente não pode ser alcançada por meio de esforços isolados. De acordo com Joe Kiani, fundador da Patient Safety Movement Foundation, é crucial que todos os participantes, desde os profissionais de saúde até os próprios pacientes e suas famílias, unam esforços para criar um ambiente de cuidado que reduza ao máximo os riscos e previna erros médicos evitáveis.
Este esforço colaborativo deve ser sustentado por práticas baseadas em evidências científicas, pela incorporação de tecnologias avançadas e por uma cultura organizacional que promova a transparência e o aprendizado contínuo, assegurando que a segurança seja uma prioridade em todas as etapas do atendimento.
Nos últimos anos, a incorporação de novas tecnologias tem desempenhado um papel significativo na melhoria da segurança do paciente. Inovações como o monitoramento remoto de sinais vitais, a aplicação de inteligência artificial (IA) em diagnósticos e a expansão da telessaúde não apenas ampliam o acesso aos cuidados, mas também aumentam a precisão e a eficiência dos tratamentos.
Durante a 11ª Cúpula Mundial sobre Segurança do Paciente, foi destacado que a IA, em particular, possui o potencial de servir como uma ferramenta adicional de verificação, auxiliando na identificação de diagnósticos incorretos e na previsão de eventos adversos antes que eles se tornem críticos.
No entanto, a implementação dessas tecnologias exige uma transformação cultural dentro das instituições de saúde. Promover uma cultura de segurança, conforme sublinhado por diversos especialistas durante o evento, requer o envolvimento de todos os níveis da organização.
Desde a administração até o atendimento direto ao paciente, cada decisão deve ser orientada pela prioridade de garantir a segurança do paciente. Esse enfoque proativo na avaliação e na mitigação de riscos não apenas diminui a probabilidade de danos, mas também reforça a confiança do paciente no sistema de saúde, criando um ambiente onde a segurança é integrada de forma intrínseca a todas as operações e decisões institucionais.
Outro aspecto relevante discutido na Cúpula foi o impacto da desinformação sobre a segurança do paciente. No contexto atual, em que a internet se tornou a principal fonte de informações de saúde para grande parte da população, a disseminação de informações imprecisas ou errôneas pode acarretar sérias consequências para o cuidado dos pacientes.
A Cúpula enfatizou a importância de os profissionais de saúde assumirem um papel ativo na educação e orientação dos pacientes, ensinando-os a acessar e interpretar corretamente as informações disponíveis online. Esse processo de orientação é essencial para garantir que as decisões relacionadas à saúde sejam fundamentadas em dados precisos e validados, minimizando assim os riscos associados à desinformação e promovendo um cuidado mais seguro e eficaz.
As boas práticas de segurança do paciente transcendem a mera prevenção de danos, exercendo uma influência significativa na reestruturação do sistema de saúde. Elas contribuem para o aprimoramento contínuo da qualidade dos serviços prestados, ao mesmo tempo em que promovem maior equidade no acesso aos cuidados.
Ao estabelecer uma cultura onde a responsabilidade pela segurança é compartilhada por todos os profissionais envolvidos, cria-se um ambiente assistencial mais seguro, onde os processos são mais eficientes e o tratamento é conduzido de maneira justa e acessível a todos os pacientes. Esse compromisso coletivo com a segurança fomenta a confiança no sistema de saúde, ao mesmo tempo em que eleva os padrões de cuidado e minimiza a ocorrência de eventos adversos.
Em síntese, a segurança do paciente representa um desafio permanente que demanda a colaboração entre diferentes profissionais, a integração de inovações tecnológicas e uma transformação na forma como o cuidado é abordado em todos os níveis do sistema de saúde.
A implementação de práticas rigorosamente fundamentadas, aliada ao uso estratégico de tecnologias emergentes, pode nos conduzir a um cenário em que os cuidados de saúde se tornam progressivamente mais seguros e eficazes. Para atingir a meta de eliminar danos evitáveis, é imperativo que profissionais de saúde, pacientes e instituições continuem a trabalhar em conjunto, assegurando que cada paciente receba o tratamento adequado sem que sua segurança seja comprometida em qualquer etapa do processo assistencial.
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